Não tem nada melhor do que acordar cedo para aproveitar bem o dia! Hoje, eram apenas seis e meia da tarde e eu já estava em pé, completamente disposto a fazer uma faxina no apartamento. Acho que não fazia uma desde quando havia me mudado, porque cada coisa esquisita que encontrei no meio da bagunça! Tipo aquela tigela de sucrilhos em formato de pokébola que pensei ter perdido, e na verdade estava embaixo do sofá com uma camada bizarra de bolor dentro dela todinha. Devo ter largado a coitada lá com resto de leite e sucrilhos. Mas o pior havia sido quando resolvi dar fim ao monte de caixas de papelão, que um dia embalaram minhas preciosas peças de computador, e descobri uma família de ratos morando dentro delas. Eu não sabia se corria deles ou atrás deles. De qualquer jeito, acabei jogando tanta tralha fora que não sobrou mais lugar nenhum para fazerem um novo ninho. Eu acho. Enfim.
Planejei mentalmente fazer aquilo mais vezes, tinha sido até divertido. Era uma ótima oportunidade para poder dançar com um esfregão, só de meias e cueca sem parecer um doido aleatório, ainda mais com o dubstep que botei para tocar enquanto limpava o chão da cozinha. Tudo bem que a combinação de meias mais sabão mais azuleijo não havia sido muito boa - minha nádega e cotovelo esquerdos que o digam - mas ainda assim deu para me distrair e gastar um bom tanto de energia. Sempre fui muito hiperativo, por isso que não engordo mesmo passando a maior parte das horas mofando sentado na frente do computador, e enchendo a cara de "porcaria", como dizia minha mãe. Quando me empolgo jogando Call Of Duty, por exemplo, chego a ficar em pé me balançando de um lado para o outro e suando por todos os poros, como se estivesse de verdade lá na batalha. Acho que o tanto de café que tomo diariamente também tem sua parcela de culpa nisso.
Às nove e meia da noite, depois de remover meia tonelada de lixo do meu apartamento, eu ainda estava agitado o suficiente para me engalfinhar em uma luta contra as mariposas que invadiram minha sala e resolveram fazer um encontro familiar em volta da lâmpada do teto. Odeio mariposas, elas sempre dão um jeito de surgirem do absoluto nada para voar direto na direção da sua cara. Só desisti quando na quinta almofadada, acertei a dita lâmpada, quebrando-a. Não é como se elas tivessem saído ganhando também. Então por causa daquele pequeno resquício de energia, resolvi ir a pé para o trabalho. Dez quarteirões seriam o suficiente para me deixar cansado de modo que eu não fosse reclamar de ter que passar o resto da noite sentado. Pelo menos nas primeiras duas horas.
A história de como eu tinha conseguido aquele emprego era meio aleatória. Um belo dia, um amigo meu me convenceu a ir com ele no tal de Gotham City Cyber Bar, conhecer umas pessoas, assistir algum show ou até mesmo beber um pouco, coisa que não costumo fazer. Só fui porque, além do nome sugerir, ele me disse que tinha uma lan house no andar de cima. Já tinha visto lan house com cafeteria, lan house com biblioteca, lan house com locadora de filme e até lan house com loja de conveniência, mas lan house com bar era a primeira vez. No começo fiquei um pouco incomodado com o excesso de pessoas em um espaço tão pequeno - quase perdi um tênis no meio da galera se empurrando - mas depois acabei me encantando com a decoração do lugar. As cabines do banheiro eram pintadas exatamente como a TARDIS! Apesar de elas não serem enormes por dentro, a idéia era ótima. Enfim. Passei a maior parte do tempo no segundo andar, alternando entre jogar e me frustrar com a mocinha que trabalhava no balcão. Ela tinha pelo menos umas três cores diferentes no cabelo, usava óculos sem lentes e não sabia liberar as máquinas sem precisar ir pedir ajuda de um outro funcionário de dez em dez minutos. Aí então, quando ela saiu pela sexta vez, decidi dar um jeito no caos. Na verdade não fiz nada além de fechar as milhares de páginas do facebook e do tumblr que ela tinha aberto no computador matriz e reiniciar o programa de gerenciamento, mas foi o suficiente para o chefe da bagaça achar que deveria me contratar no lugar dela. Não podia reclamar, é claro, um emprego normal seria perfeito para tirar a suspeita das pessoas em relação à minha conta bancária.
E para ser sincero, não existia emprego mais adequado! Podia ficar a noite toda com o meu computador pessoal, fazendo as mesmas coisas que estaria fazendo em casa, me distraindo com os trecos interessantes pendurados nas paredes e de brinde ter pessoas que compartilham dos mesmos interesses comigo para conversar, fora do gtalk!
Cheguei no dito Gotham City Cyber Bar às dez horas em ponto, fazendo dancinhas com os braços e cumprimentando todo mundo com um "oiê!", tamanha era minha empolgação. Acabei esbarrando em um dos garçons e ele derramou cerveja tudo em mim, fazendo cara de quem queria limpar o chão com o meu nariz. Como o moço muito educado que minha mãe me ensinou a ser, corri pegar um pano para ajudá-lo, mas no desespero trombei em uma mesa e derrubei mais outra cerveja, dessa vez encharcando um cliente. Quase fui mandado aos chutes para o andar de cima, para ficar sentado quietinho sem me mexer muito. Geez, eles não tinham muita paciência comigo. Por sorte, havia lembrado de trazer o uniforme na mochila - uma camiseta preta com o símbolo amarelo do Batman no centro - e não fiquei fedendo cerveja a noite inteira. Cara, eu trabalhava de camiseta do Batman. É o melhor trabalho do mundo!
Hoje havia mais movimento no bar do que na lan house em si, então aproveitei a conexão ultra-veloz para fazer alguns updates de extrema necessidade no meu macbook. Engraçado como alguns clientes pareciam me admirar quando viam o produto Apple na minha mesa, automaticamente julgando minhas habilidades tecnológicas baseados na fama do objeto em questão. Tontos eles, minhas habilidades são ótimas até em um Windows 98. Além disso, sou muito mais sabido do que aparento, e sei muito bem que não deve se apegar à uma única marca, ainda mais existindo tantas outras de igual capacidade e potência por aí. O real motivo de carregar o macbook pra lá e pra cá, é porque ele era o mais leve da minha coleção. Ah, baixar a nova temporada de Fringe tinha sua grande importância também, não era legal ser o último a ficar sabendo das coisas que aconteciam nas séries.
Estava distraído tentando montar algo com meu cubo magnético - tarefa árdua, as bolinhas estavam duras de se desgrudarem - quando uma sombra se abateu sobre mim. Temi por um momento achando que fosse meu chefe prestes a dar um esporro por eu não estar vigiando a molecada direito, mas ao erguer os olhos mantendo o rosto baixo, pude respirar aliviado. Era só um cliente, me empurrando um pendrive.
- Impressão. Oitenta páginas, frente e verso.
Larguei o cubo ao me levantar do banco e peguei o pendrive, não podendo evitar de erguer minhas duas sobrancelhas para sua aparência. Não que houvesse algo de anormal com ele, pelo contrário. Estava ajeitadinho demais, e pela sua expressão fechada, parecia não ter vindo somente para imprimir um trabalho. Fazia o tipo de agente investigativo, com aquela camisa toda abotoada, e o mais estranho é que ele me parecia familiar. Gosh, esperava que não estivesse ali para espionar as nossas atividades. Por via das dúvidas, fechei a tampa do meu macbook antes de me virar e plugar o pendrive no computador matriz. A capa do documento surgiu na tela e só por suave curiosidade, passei os olhos pelo que estava escrito. Oh, era uma tese sobre astrofísica de autoria do Evander Sinque Ph.D, em letras grandes no centro da página. Agora eu entendia porque parecia já ter visto-o antes!
- Eeeeeeeei! - gesticulei empolgado esticando o braço e tentando chamar a atenção dele. Bem, eu não tinha muita escolha com ele praticamente de costas pra mim. - Você por acaso apareceu no Discovery Channel?! - perguntei de uma vez, enlaçando meus dedos com ansiedade enquanto sorria em expectativa. Interessante como minha língua soava mais presa do que o costume quando eu ficava nervoso. Mas com aquela prova óbvia escancarada na tela do computador, não tinha como ele negar e fingir ser apenas um estudante. Era um cientista famoso de verdade! Que chique!