O carro trafegava lentamente pelas ruas de NOLA rumo a Garden District. As lembranças do ocorrido durante o dia vieram à mente.
Primeiro a reunião terrificante com Freeman e a lembrança da cor, do cheiro e do sabor do sangue dele. Depois a notícia da morte do meu sócio seguido do choro de Clarice e do encontro com a médica legista. Gostei dela. Não deveria ter tratado ela do jeito que tratei. Se meu pai tivesse visto ou ouvido como falei com ela, de certo eu iria escutar uma das grandiosas lições de moral que ele costumava dar. Depois a funcionário do departamento contábil hospitalizada, bonitinha, aparentemente mais preocupada com o trabalho do que com a própria vida. Funcionário assim e excelente para o Escritório. Na lanchonete aquela incrível morena. Isabela era uma mulher forte, direta na sua voz e com frieza no olhar. Seu aviso quanto a pessoas priores que Freeman no momento não pareceu no momento algo preocupante, mas agora, aqui no banco de trás do carro vejo com clareza algum nuance do que sussurrou em meu ouvido. Piores que Freeman.
Um frio alcançou minha espinha e um súbito arrepio percorreu todos os folículos capilares do meu corpo, eriçando da nuca até os pelos dos pés. Após alguns segundos de nó no intestino acompanhado de um aperto na boca do estomago, conclui que deveria tomar mais cuidado com quem falava sobre o caso Vestrue versus Garden District. Por fim resolvi continuar meu devaneio enquanto o carro se aproxima da do destino.
Alessa Puccinelli. Possuidora de uma beleza exótica, olhos lindos, fazendo contraste perfeito com a pele. Por que diabos falei com ela daquela maneira. Por que pedi desculpas. Porque mandei flores para a funcionaria depois de tratar ela bem. Não sei, mas sei que fiz. Victor Calarram não é mais o mesmo, ou será que minha mente trabalhou mais rápido do que pude acompanhar. Vejamos. Tratei bem a Funcionaria, para ela ver como o chefe dela é generoso e assim para quem ela falar sobre mim saberá que tenho um grande coração. Tratei a Medica daquele jeito na primeira vez, porque demonstraria a ela e aos demais quem era a pessoa na sala, e da segunda vez, para mostrar a Isabela que eu sabia aonde era o meu lugar, e este é no topo da pirâmide, do mesmo modo, mostrei a ela que tenho grande competência para resolver os assuntos a que proponho resolver. Pedi Desculpas a Alessa. Por mais que fosse necessário para meus objetivos momentâneos falar aquelas coisas, ela não precisava ouvir aquele tipo de ameaça. Bem o por tão da minha casa esta abrindo e é melhor desvencilhar desse devaneios e me preocupar com o que é importante.
O carro parou, Demetre abriu a porta enquanto Joe me escoltava até a entrada. Donavan Abriu a porta da casa.
- Boa noite senhor Calarram! – Disse ele com um sorriso nos lábios. – Tenho noticia do escritório.
Provavelmente a senhorita Smith telefonou para ele e contou tudo o que estava acontecendo. Assim que ele tirou o blazer do meu terno, postou ao meu lado. Procurei fitar seus olhos antes de perguntar com a voz levemente cansada e muito sutilmente nervosa.
- Diga homem! Que noticias tem para mim?
Começamos andar, saindo do hall de entrada, passando pela sala anfitriã, e atingimos a confortável sala de visita. Ela permanecia com a mesma decoração que minha mãe deixará. Durante o trajeto Donavan se postou a falar.
- A Senhorita Smith me ligou e contou sobre os eventos que ocorrerem hoje por lá e pediu para informar ao senhor que todas as informações relativas ao caso Vestrue são favoráveis a desapropriação. Os seus sócios e funcionários ainda estão trabalhando no assunto. O senhor Peterson incumbiu a Dra. Samantha Smith de transmitir as informações atualizadas pelo e-mail do senhor. Ao que tudo indica as Desapropriações em Garden District poderão ser realizadas sem nenhum inconveniente judicial, somente pela via administrativa, mas eles estão analisando todas as hipóteses.
Ao chegarmos a sala de visitas me sentei em uma larga e confortável poltrona de couro branco.
- Ótimo! Donavam. Por favor, traga meu computador, alguma coisa para eu beliscar e uma taça de vinho tinto, um Octave Cremieux Gevrey-Chambertin 2007, irá cair muito bem agora.
Enquanto ele saía do cômodo, puxei a mesa de centro próximo a poltrona. Retirei o vaso que decorava sua superfície para abrir mais espaço, colocando ele ao lado da poltrona.
Nos poucos minutos que fiquei só esperando Donavan retornar, os pensamentos voltaram a minha cabeça.
O que Isabela quis dizer com piores que Freeman?
O Tempo da espera fez meus olhos pesarem e resolvi fechar eles momentaneamente.
Esses olhos! Esses dentes! O que você esta fazendo? Não eu não vou beber! Minha voz não sai. Por que não estou me debatendo! Pare, não faça isso! Eu preciso reagir, eu não quero que você coloque isso na minha boca! Eu Preciso falar. Preciso Reagir. Não eu não vou... A voz de Freeman. Beba! Eu não vou beber, mas já estou bebendo. Não eu não... Vou cuspir. Eu preciso cuspir. Não consigo. Que voz é essa? Parece uma mulher. Isabela. Piores que Freeman... Cuidado... Piores que Freeman. Vejo os olhos vejo os dentes de Freeman e escuto a voz de Isabela. Aonde foi? O rosto do Isabela, ela é linda. Essa voz. Freeman! Precisa se lembrar do nosso pacto de segredo e sucesso. Tenha isso em mente e triunfe... Mas se você fracassar... Saiba que eu vou atrás de você onde quer que você se esconda. E dessa vez o sangue a escorrer não será o meu... Os olhos de Isabela... Essa voz! Donavan... Calarram, Sr. Calarram!
Abri os olhos e Donavam estava em frente me chamando.
- Senhor Calarram! Tudo bem com o senhor? – Seu olhar estava preocupado. – O senhor estava...
- Devo ter cochilado. – O notebook estava sobre a mesa. Peguei a taça de vinho que esta em uma bandeja ao lado dele. Tinha também uma porção de damascos. Tomei um gole do vinho. – Obrigado meu amigo. Agora pode se recolher. Tenho que checar meus e-mails e fazer umas pesquisas. – Ele já ia saindo da sala quando me lembrei de uma coisa importante que ele deveria providenciar. – Donavan. Como a fofoqueira da secretaria lhe contou tudo, peço que você providencie o funeral. É só. – Ele assentiu com a cabeça e saiu da sala.
Primeiro comecei checando os meus e-mail. Ali estavam algumas informações boas sobre o caso Vestrue. Por certo eu deveria informar a Freeman, mas não hoje, não agora. Tinham coisas a serem tratadas e Freeman era uma das coisas. Precisaria saber um pouco mais sobre a Vestrue e sobre Henry, antes de lhe dar as coisas de mão beijada. Precisaria saber que jogo realmente eu estou jogando. O dinheiro de certo vale a pena, mas quem ou o que era Henry Freeman, e o que ele queria despejando os ricaços de Garden District? Precisaria tentar juntar essas informações e parecia que Isabela tinha alguma coisa que poderia me ajudar a entender. Então é melhor que eu descubra o que ela quer, e quem sabe ela possa me dar às informações que eu quero.
Lido os e-mails da Dra. Smith, comecei Pesquisar sobre o manicômio. Tudo o que eu encontrava na internet era a história do local, algumas lendas sobre fantasma. Algumas poucas informações sobre o incêndio, mas nada de grande valia. Até que por fim um link. Pareceu algo confiável. Um nome e um endereço. Falava a reportagem tratada no pagina, falava de quem era à propriedade*¹. Anotei essas informações no bloco de notas do computador e resolvi que era hora de desligá-lo.
Caminhei até a cozinha. As luzes estavam acessas. Donavan, Joe e Demetre estavam comendo e conversando. Quando entrei Donavan se levantou e pegou outro copo no armário.
- Toma mais uma taça de vinho Victor? – Ele perguntou enquanto enchia e me entregava.
Peguei a taça, me sentei com eles e comecei a beber.
- Meus amigos, devo dizer que hoje o dia foi cansativo mas ainda tenho algumas coisas para pedir a você. – Os três beberam um gole de vinho ao mesmo tempo. Primeiro depois que você acertar as coisas do velório e do funeral Donavan, fale com a senhorita Smith para que ela pegue um relatório financeiro feito por aquela funcionaria hospitalizada. Peça também para ela desmarcar o almoço de amanhã. Joe e Demetre, amanhã não precisarei dos serviços de vocês durante o dia, pois pretendo ficar em casa, mas de noite temos um baile para ir. Recebi o comunicado da senhorita Smith pelo e-mail, então só peço a gentileza de um de vocês ir pega-lo amanhã. Pode ser a tarde. – tomei mais um gole de vinho e me levantei. – Bem agora vou me retirar. Obrigado pela ajuda e companhia de você nesse dia. Não sei o que faria sem você para me ajudar.
Caminhei pelos corredores da casa, subi a escadaria e por fim atingi meu quarto. Retirei o papel do bolso. Tirei a gravata e a camisa e caminhei até a varanda, não sem antes pegar na cômoda um cigarro e o isqueiro. Fumei sem pensar em nada, apenas admirando a paisagem noturna. Quando terminei, fui para o banheiro, terminei de me despir e entrei no banho. Não queria pensar e assim o fiz. Já na cama fechei meus olhos e quando peguei no sono, um complexo conjunto de imagens e sons começaram a preencher minha mente.
Onde estou? Aqui é meu escritório. Uma sombra de um homem de costas para mim. Me aproximo. Quem é você? Eu pergunto. Sem resposta. Quem é você? O sujeito se vira. Freeman o que faz aqui? Seus olhos! Seus dentes. Seu braço esta sangrando. Fique aonde você esta. Corro até a porta do escritório. Isabela o que faz aqui. Ela abre os olhos e a boca. Meu deus seus olhos seus... Saio correndo até o elevador. Annabeth, mas... você também não... Desisto do elevador, saio pelas escadas. Encontro com A médica. Dra. Alessa aai rápido daqui... Meu deus! No saguão, Demetre, Joe e Donavan conversando. Eles também... Para todos os lados que eu olhos aqueles olhos, aqueles dentes e sangue. As paredes vão se cobrindo de sangue, Henry, Isabela, Alessa, Joe, Demetre, Donavan, Annabeth, meus sócios, meus funcionários. Todos me cercam. Começam a andar na minha direção. Me seguram. Me soltem... Não me soltem... Eu sou Victor Cala... Começam a jogar o sangue em minha boca, estou me engasgando... Não parem, nã... O sangue começa a encher o saguão. Centímetro por centímetro o sangue vai subindo tal qual uma banheira enchendo. Sinto minha roupa se encharcando, eles me empurram para baixo minha cabeça começa a afundar em sangue. Me debato e escuto por fim a voz Henry seguida da voz de Isabela. -Precisa se lembrar do nosso pacto de segredo e sucesso. Tenha isso em mente e triunfe... Mas se você fracassar... Saiba que eu vou atrás de você onde quer que você se esconda. E dessa vez o sangue a escorrer não será o meu... Está lidando com gente muito mais graúda que ele. Se deseja continuar vivo, tome cuidado... O sangue começou a me sufocar... não posso mais respirar eu vou...
Abro os olhos. O sol já esta se pondo e Donavam esta colocando uma toalha sobre minha testa. Sentia o corpo todo molhado.
-Boa tarde senhor! O senhor gritou a noite toda, a manha toda e praticamente toda a tarde. Como o senhor está?
Sentei na cama. E pude ver, que ela estava toda encharcada de suor.
- Não sei! Acho que bem.
Levantei lentamente, e caminhei ao banheiro. Minha bexiga estava estourando e a barriga pedia para ser aliviada. Quando sai do vaso, fui até a pia fiz a barba e entrei no banho. A água gelada escorreu pelas minhas costas e foi como se o mundo repentinamente fosse retirado de minhas costas. Quando terminei, fui para o quarto. O figurino para o Baile já me esperava pendurado em um porta-cabide.
*¹ - Aceito fazer o teste necessário para obter tal informação.