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Nas ruas do French Quarter
Jason sentia-se como se tivesse acabado de sair de uma anestesia. Fome, sono, e um formigar pelo seu corpo proveniente das incisões que sofrera. As marcas de Eve ainda estavam nele, e ardiam deliciosamente em contato com o couro de sua jaqueta. Andou pelo French Quarter naquela manhã procurando seu carro, mas não conseguia pensar sem algo na barriga. Não se lembrava da última vez que colocou algo na barriga. Todos os seus últimos desejos se limitavam a ter Eve mais uma vez.
Entrou no primeiro
fast-food que encontrou e foi até o balcão. Aquele cheiro de gordura foi até seu cérebro, e o trouxe lembranças de comidas que não comia há mais de três anos. E hambúrgueres estavam na lista. Dentre todos os lanches que se lembrava, tinha suas preferências. Os números um, quatro, sete e onze. Todos com adição de bacon. Até lembrava-se dos números! Jason não era uma pessoa muito boa com números. Perdia a paciência até para contar o dinheiro que estava na maleta. Preferia gastá-lo até que acabasse, e então tivesse que conseguir mais. Mas esses números apareceram em sua mente como mágica, sem nem precisar encarar o painel luminoso com preços e fotos utópicas dos lanches.
- Qual é o seu pedido, senhor? - Disse a adolescente de aparelhos com uma felicidade exagerada que fez Jason pensar que ela tinha algum problema.
- Quero o um, o quatro, o sete e o onze. - Pois não, senhor... Ah! Me desculpe, senhor, mas estamos servindo ainda o cardápio do café da manhã. O sorriso da menina que forçava simpatia o incomodou, principalmente pelo reflexo da luz do sol no aparelho da garota. Isso fez Jason fechar a cara, como se estivesse realmente bravo com aquele fato, e deixar cair sua mala de ginástica repleta de jóias e com suas armas. Aquilo fez um barulho que chamou a atenção de todos da loja, que o olharam. Grandes mães com suas crianças obesas, trabalhadores de terno barato, adolescentes que, como Jason, ainda não haviam dormido. Todos ficaram em silêncio, tensos e assustados com a figura do brutamonte. A atendente ficou tensa. Ela já tinha visto aquele filme. "Dia de Fúria", onde um homem maluco com uma mala EXATAMENTE igual aquela, cheia de armas, fica descontente com o fato do seu pedido não poder ser servido naquele horário, e destrói a loja. E pelo visto, todos ali haviam visto o filme, pois se comportavam exatamente como os figurantes no momento em que Michael Douglas tirava a arma da sacola. Um silêncio tumular.
- Com licença, senhor. Vou ver o que posso fazer, senhor. A garota saiu apressada para falar com seu gerente. Jason deu de ombros, percebeu a tensão que havia causado na menina, mas não queria assustá-la. Só queria que ela parasse de sorrir e jogasse aquele "ar" na cara dele. Ele não queria confusão, não queria problema algum. Era um fugitivo de um assalto, e estava COM o produto do roubo ali. E ele também adorava bacon com ovos. Poderia comer quilos disso naquela hora.
O gerente olhou para seu distinto cliente, sorriu nervosamente, e parecia ter vontade de ir ao banheiro pelo jeito que se movia e juntava as pernas. Suas mãos tremiam quando ele passou um cartão no caixa para desbloquear as opções que ele desejava, enquanto a menina corria para a chapa para orientar a linha de produção calórica sobre o pedido atípico do homem. Jason estava prestes a trocar seu pedido quando o gerente começou a digitar na máquina, falando alto.
- C-confirmando seu p-pedido, s-senhor... Um... Quatro... Sete e onze. Correto senhor? Jason deu mais uma vez de ombros, feliz por poder comer os hambúrgueres que queria. Mas o bacon e ovos já estavam em sua mente.
- Sim. E... O especial de café da manhã com ovos e bacon. - Size ou super size, senhor? - Perguntou o gerente, ainda nervoso, se referindo ao tamanho das batatas e refrigerante.
- Super size! - Respondeu Jason, agora finalmente sorrindo, se sentindo uma criança obesa por ouvir aquela pergunta e ficar animado com ela. Precisa comer, e muito! E rápido!
- São cinqüenta e três dólares e vinte e cinco centavos, senhor. - Disse o gerente, aliviado, correspondendo o sorriso de Jason como se tivesse acabado de fazer suas necessidades, ali mesmo. O resto do salão também se aliviou, e aos poucos voltaram a comer e a fazer barulho.
Mal pagou e todo o seu pedido já estava ali. Acabaram dando pra ele o brinde do lanche de criança que encarou pelo tempo em que esperou pelas batatas que acabavam de fritar. Era um
Hott Wheels da série "Pilotos de Fuga". Achou aquilo irônico e engraçado.
Debulhou sua comida, como um animal. Lamentou por ter se esquecido de pedir bacon também nos lanches, e acabou colocando neles o café da manhã especial, para compensar. Sua barriga chegou a doer quando terminou, mas sua mente voltou a funcionar. Saindo dali, achou seu carro, e foi embora o mais rápido que pode. Acabou passando na frente do Temptation em seu caminho, e suspirou, imaginando se por acaso veria Eve, ou seja qual for o nome dela, saindo dali. Talvez em seus sonhos. Agora precisava dormir mais do que qualquer outra coisa.
No Supai Motel
Jason havia guardado a localização do Supai Motel quando passou por ele ao chegar em NOLA. Aquele motel de beira de estrada era o lugar ideal para que passasse um tempo até se decidir o que fazer, onde ficar, e criar contatos consistentes na cidade. Se pudesse, ficaria na cama de Eve no Temptation, mas isso certamente acabaria com todo o conteúdo de sua mochila de ginástica rapidamente. Estacionou seu carro na melhor sombra que encontrou, e foi para a recepção.
- Quero um quarto. - Pagamento adiantado.A adolescente entediada não olhou para Jason, totalmente entretida pela revista de fofocas e pelo chiclete que já havia vencido há algumas horas. Era melhor assim. Não seria reconhecido caso a polícia mostrasse uma foto ou o descrevesse. Deixou o dinheiro que pagaria por uma semana, de acordo com a tabela de preços.
- Documentos.“Merda.”, pensou. Estava fácil demais. Agora teria que dar um jeito. Não sabia se o haviam identificado no tiroteio na joalheria em Miami. Torceu para que não. Fez de tudo para que não o vissem. Mesmo assim não podia arriscar. Colocou na frente dela uma nota de cem dólares.
- Não quero ser incomodado. Entendeu, garota? A moça pegou a nota e então olhou para ele, para agradecer com um sorriso. Essa atitude, de deixar um dinheiro para ter alguma privacidade, era normalmente usada por homens que iam até lá para trair suas esposas com alguma outra companhia. Mas Jason estava sozinho, e não parecia do tipo que tem uma esposa para trair. “Deve ser bicha”, pensou a garota, ao fitar os músculos e a roupa de couro do homem. Já viu tipos como ele entrar aos pares em um daqueles quartos, e às vezes em maior número, para uma pequena festa. O olhar malicioso da garota fez Jason pensar que ela o queria. Depois da noite que teve no Temptation, qualquer mulher o queria, mesmo que não quisessem. Estava de volta à ativa.
Ganhou a chave do quarto 13, normalmente dispensada pelos clientes mais comuns e supersticiosos. Jason não ligava para esse tipo de coisa. Não quando envolvia números. Deixou seu carro estacionado onde estava, deixando vazia a vaga na frente do seu quarto. Isso podia ajudar em alguma emergência, caso procurassem onde estava hospedado o dono daquele carro com buracos de bala na lataria. Deitou-se na cama e ligou a tevê no noticiário. Nada sobre ele. E então dormiu, voltando para o quarto no Temptation em seus sonhos. Voltando para os braços de Eve.