Ação feita em conjunto com Michael.
A expressão de Michael era magnífica aos olhos do padre. Ele conhecia aquele olhar. Já o vira nascendo em outros rostos tementes a Deus, e depois dele sempre aparecia a manifestação de uma Fé forte e verdadeira. Para Wallace, aquele era um dia de recomeço. O primeiro dia da luta contra os demônios de Nova Orleans. Primeiro um deles surge, em um vestido que cobria um corpo magro e oscilante. Em seguida uma mulher em desespero, à procura de esperança em sua vida. E então, Michael, o primeiro candidato à Ordem de São Miguel. O primeiro das fileiras do exército do glorioso general alado, o flagelo de Deus. Em seguida viu Michael caindo de joelhos. Como se não bastassem provas da devoção do garoto, ele se entregava a Deus em pose de oração. E então aceitava o convite, sem pestanejar. Para ele não haviam mais dúvidas. Restava apenas o teste prático, e este aconteceria naquela noite.
Faz um sinal com as mãos para o vigia na porta da igreja, ordenando a fechasse, sendo prontamente atendido. Não queria que mais ninguém entrasse ali. Já estava tarde, e Padre Wallace tinha assuntos mais importantes para resolver. Estendeu a mão a Michael e o chamou.
- Venha, garoto. Temos que nos apressar com os preparativos.
As coisas ficaram um tanto fora de foco. A mente de Michael girava em torno de uma música de ciranda que costumava brincar sozinho quando pequeno, mas a letra era diferente. Tinha versos que não conhecia e milhares de crianças sussurravam em sua cabeça aquele mesmo som. As frases "Sim, eu aceito" e "Venha, garoto" faziam parte da música. Tudo rodava, rodava, rodava. "Venha, garoto". "Venha, garoto", "Venha, garoto". Um segundo mais tarde, ao som da melodia angelical da ciranda e da voz do padre guiando-o para uma luz forte, sentia como quando se sonha que se está caindo, rápido, rápido e rápido até que, quando está prestes a bater com o corpo em pleno chão, você acorda de súbito. "Venha, garoto". "Venha, garoto". "VENHA, GAROTO!". Foi assim que "despertou" com o chamado do padre. Chacoalhou os ombros e as pernas ao levantar o olhar. Não havia mais ninguém além do padre e do segurança à porta. No teto e no vitral de toda igreja, cada personagem bíblico permanecia estático em seu devido lugar, assim como Cristo na cruz, logo no altar. Estava apertado para ir ao banheiro, sentia os olhos úmidos de choro e a boca seca. O topo da cabeça estava queimando, trazendo à tona algumas pequenas gotículas de suor.
Michael se levantou com dificuldade, as pernas bamboleavam em uma pequena tremedeira de insegurança. Não sabia bem o que Wallace faria, mas a idéia de fazer algum tipo de serviço em nome de Deus encheu seu peito de um sentimento novo... Uma espécie de "reconhecimento".
- Onde vamos, padre?
O padre ajudou Michael a se estabelecer em pé, o segurando pelos ombros, quase o abraçando de lado. Começava a guiá-lo para o canto esquerdo da nave principal, onde havia uma porta. A mesma que usou para entrar ali mais cedo.
- Vamos te preparar, Michael. Logo vai saber.
Duas mulheres se aproximavam assim que decidiu sair dali. O vigia, já idoso, não conseguiu fechar a porta antes que as mulheres entrassem. Wallace soltou um longo suspiro, ansioso e impaciente. Queria tirar logo o garoto dali, mas tinha que resolver esse detalhe agora. Olhou para Cindy e a reconheceu de mais cedo. Olhou para a outra, e sorriu nervosamente para ela. Continuou segurando Michael pelos ombros, que estava visivelmente mal e disperso. O padre tentou falar ao fim de cada frase que Cindy dizia, e quando ela finalmente terminou sua tortuosa fala, Wallace despejou um pouco de grosseria nas moças.
- Já está tarde, não estão vendo? Deus tem uns assuntos a tratar com Michael, então devem sair. Deixem-no aqui. Se quiserem falar com ele, voltem amanhã cedo, na hora da missa. E vistam algo apropriado. – Depois de mais uma olhada na vestimenta da dupla, com uma expressão fechada, ele refaz a frase. - Ou melhor, vistam algo! Com licença.
Wallace olha enfurecido para o vigia, ergue o braço e o agita como uma bronca silenciosa. Dá as costas às moças e continua o caminho que fazia antes de ser interrompido por elas. Sussurra para Michael, já a alguns passos das duas.
- Me desculpe, garoto. Não podemos dar atenção a elas agora. Nosso tempo é muito precioso.
O vigia aborda as mulheres, e pede educadamente para elas se retirarem, pois precisava fechar a igreja.Qualquer discussão que as moças resolvam ter com o vigia é o tempo que o padre tem de sumir pela porta lateral.
Wallace carrega Michael apressadamente, o levando agora por um corredor largo, até uma nova porta, e então por uma escada de pedra que desce em espiral. Depois de uma volta completa, entram em um corredor mais estreito, com uma iluminação mais precária. A diferença de luz é mais gritante para a mente enevoada de Michael. Quando ele percebe, é colocado em uma cadeira. Vê-se sentado em uma sala, ainda de iluminação baixa. A impressão de qualquer um que estivesse no lugar de Michael era a de estar prestes a ser interrogado quando Wallace acende uma luz bem sobre sua cabeça. Isso o impedia ainda mais de perceber o resto da sala escura.
- Coma isso.
O padre entrega a Michael um sanduíche com carne de frango e vários tipos de vegetais, parecido com o de uma rede de lanchonetes que serve lanches naturais feitos em uma linha de produção, mas este era caseiro, e estava frio. Então abre armários e gavetas, empilhando pequenas caixas próximas a Michael. Assim que termina de procurar o que queria, coloca uma cadeira à frente dele, e depois de sentar-se nela, começa a explicar.
- Muito bem, Michael. Prepare-se para o que vou lhe dizer agora. Preste MUITA atenção, pois não temos muito tempo. – O tom de Wallace agora era o de professor. Era algo natural nele, sendo uma coisa que sabia fazer muito melhor do que ser padre. Wallace fala rápido, sem dar tempo para que Michael fale. Imaginou que o sanduíche somado à fome do rapaz era uma boa forma de fazê-lo ficar calado, sem interromper. – Existem demônios entre nós, Michael. Demônios que caminham entre nós, vindos do inferno, para trazer o pecado para os homens. Eles vestem o corpo de pessoas normais, que foram vítimas de seus pecados, passando a maldição adiante. E nós, a Ordem de São Miguel Arcanjo, o exército de Deus contra os demônios, caçamos essas criaturas. Nós a mandamos para o lugar onde pertencem. As mandamos direto para o inferno. – O padre olha para Michael por um momento apenas para respirar, e captar a percepção do rapaz sobre tudo o que disse apressadamente. Antes que ele possa dizer qualquer coisa, continua com um argumento que usaria caso Michael pirasse com o que acabou de saber, para então atribuir a importante tarefa. – Deus o trouxe até aqui garoto. Para onde Nosso Pai gostaria que você estivesse. Somado às fileiras deste exército. E agora você vai conhecer sua primeira missão. Você vai para uma festa em um clube chamado Masquerade. Este clube é de um demônio que ainda não conhecemos. Acreditamos que ali trabalha um outro demônio, em forma de mulher, mas não sabemos o nome dela também. Talvez esse demônio seja o dono do lugar, mas isso também nós não sabemos. O que precisamos é conhecer o lugar, e descobrir o maior número de informações sobre ele, principalmente sobre os demônios, certo? Estes são chamados casualmente, e entre eles mesmos, de “vampiros”. Mas não se deixe enganar por isso. A maioria das coisas que acreditamos ferir vampiros não os fere, então prefiro classificá-los como demônios. Eles têm a pele pálida e olhos estranhos. EVITE ENCARÁ-LOS! Pode custar a sua vida. – Wallace tenta falar da maneira mais simples o possível, introduzindo conceitos básicos, sem entrar muito em detalhes. Queria que Michael entendesse o máximo possível o mais rápido possível, para ao menos sobreviver à sua primeira missão. – Eles se alimentam de sangue. É a única coisa que os sacia. Fique bem atento à isso! – Wallace pega uma das caixas pequenas, e dela tira um Blackberry como o seu. – Este aqui é seu. Fique atento a ele. Tem meu número aqui. Aperte esse botão e fale meu nome e ligará direto para mim. Mas só faça isso se estiver em perigo. Ah, ele tem um GPS, e enquanto estiver ligado, vou conseguir te acompanhar. Então NÃO DESLIGUE! Quando estiver chegando lá eu vou te mandar um convite que você vai apresentar para entrar no lugar. É uma festa à fantasia, um baile de máscaras. – Pega uma outra caixa pequena, e tira de lá uma máscara simples, toda branca e andrógena, sem definição clara de traços masculinos ou femininos, soando como um anjo. – Vai ter que usar isso, o tempo inteiro. Não a tire, certo? Use também essa capa. – Pega uma caixa um pouco maior, onde estava uma túnica preta com capuz. – Isso vai esconder sua roupa, e traços menos óbvios do seu corpo. Tente ser bem discreto, e passar despercebido. Isso faz parte da missão! – De outra caixa tira um maço de notas bem gordo, contendo em torno de trezentos dólares. – E isso aqui é para uma emergência, ou eventuais gastos. É importante que se lembre de tudo o que gastou, e me traga todo o troco. Use com sabedoria, mas se precisar, USE! É o dinheiro para a missão. Ah, use para pagar o taxi que vai usar para chegar até o local. Peça para o motorista te levar até o Harra’s Casino. Harra’s Casino, entendeu? Tem alguma dúvida? – O padre finalmente termina de despejar informações em Michael, encostando-se na cadeira, com os olhos ainda agitados, pensando se havia se esquecido de alguma coisa.