As primeiras imagens que Sophia havia fotografado estavam bem borradas. Os traços se assemelhavam muito com o do desenho da capa do livro, feito a carvão, que retratava uma arvore morta, com um homem grotesco; provido garras nas mãos e pés, orelhas pontudas, músculos distorcidos e a face de puro ódio; pendurado de cabeça pra baixo como um morcego, e se distinguiam, pois pareciam que todos haviam sido feitos as pressas, com borrões que tornava a distinção das figuras ali presentes impossível. Mas havia algo semelhante entre eles: sempre a ilustração retratava cenas à noite, com um profundo grau de escuridão em todas elas.
As três ultimas imagens, que ela havia fotografado na noite anterior do livro de sua pesquisa, foram as que mais chamaram a atenção da menina naquele momento. Não era preciso ser grande especialista em arte – e ela não o era – pra perceber haviam sido feitas pessoas e, provavelmente, em circunstâncias bem diferentes, pois, enquanto as primeiras eram feitas de carvão e com traços totalmente amadores, as ultimas eram pintadas em tons quentes como vermelho e laranja, em contraste com o negro e o azul, e apresentavam uma qualidade artística incrível.
A primeira delas representava a deusa indiana Kali, com seus vários braços – que seguravam em um dos lados do corpo, uma foice e um tridente e do outro uma cabeça humana decapitada, com uma tigela recolhendo seu sangue - subjugando Shiva (seu marido) em um campo de batalha. Toda a imagem era trabalhada em vermelho (e suas variações) e negro, entrando em contraste com as cores frias dos dois deuses ( azul e branco). O que mais impressionou Sophia naquela imagem era a vestimenta da deusa: Seu colar era feito de cabeças humanas e sua saia de membros decepados, com o corpo dela coberto de sangue.
As outras duas imagens retratavam também um ambiente sangrento. Uma delas representava uma mulher pálida, fugindo do quarto de um homem durante uma noite sangrenta, havendo uma semelhança com o céu vermelho e negro da primeira imagem, enquanto deixava o corpo dele pelo chão, com as roupas ensanguentadas e a expressão de horror. A imagem mostrava ela olhando para trás, enquanto estava agachada na janela, com uma expressão de satisfação e os lábios sujos do mesmo sangue, vermelho vivo, que escorria do corpo do amante, fazendo um caminho pelo chão. A outra representava um homem entrando no cemitério. Este era pálido, como toda a imagem ( esta era, em maior parte, trabalhada em preto, branco e cinza) e carregava o corpo de outro homem ( que possuía sua pele e roupas representados com cores quentes – Sophia só podia imaginar que aquilo representava vida
versus morte) e olhava diretamente para uma cova vazia. Não era possível entender – com os conhecimentos que ela tinha até o momento – se o homem seria enterrado ali ou se a cova pertencia ao homem que carregava o corpo... Mas o sangue nos lábios do homem pálido e nos lábios da mulher da outra imagem, fazia a menina crer que ambas representavam a mesma coisa: vampiros.
...
Na parte que ela estava ajudando a traduzir do livro - a final, escrita em latim – várias menções foram feitas a estes seres mitológicos. A pessoa que escreveu aquela parte parecia não gostar muito desses seres e acreditar que eles existiam, a ponto de caçá-los. Até a parte que haviam traduzido ( e não era muita coisa, devido a ser um latim misturado com dialetos locais e a condição em que os papeis se encontravam) havia se contado uma pequena história do “primeiro vampiro” e como este gerou outros... Dizendo que essa raça se perpetuaria. E foi isso que a fez acreditar ser um “diário mitológico”.
Ela ligou imediatamente para o seu orientador, contando o que havia descoberto: uma conexão entre o começo e o fim do livro. Contou sobre as imagens e que havia passado parte da manhã tentando encontrar alguma parecida com as primeiras – borradas - mas que não havia se dado conta que eram as três últimas que ajudariam em algo. O orientador deu permissão para ela passar o dia pesquisando, a liberando de comparecer no laboratório e assim ela o fez, parando somente para comer algo na hora do almoço e voltando para a biblioteca.
Sophia estava concentrada. Quando viu a imagem que retratava o campo de batalha, identificou aqueles dois realmente como divindades, mas não sabia “quem eram”, realmente. Se concentrou naquilo, logo descobrindo que no hinduísmo a deusa Kali e seu marido Shiva eram diretamente ligados ao vampirismo. Descobriu também que os
vampiros da índia eram tomados como
servos desses deuses, mas não eram uma espécie única. Leu algumas lendas, tentando entender as outras duas imagens, e logo encontrou algumas que podiam explicar aquelas imagens, transcrevendo-as em um caderno:
- Transcrição:
Uma infinidade de seres vampíricos fazem parte da mitologia indiana, sem falar em várias divindades que têm facetas vampíricas evidentes, como a deusa Kali e seu marido Shiva.
{...}
O Vetala é um demónio vampiro com características de semideus. Ocasionalmente, o Vetala pode promover a possessão de um cadáver, animando-o para suas práticas hematófagas.
Outros dois tipos de vampiros importantes eram o Gayal e Churel. O Churel é um Vampiro feminino, uma mulher que teve morte no parto ou menstruada. Ela aparece como uma linda donzela, extremamente sedutora, drenando suas incautas vítimas enquanto estas se encontram deleitando-se em seus braços.
{...}
O cadáver do Churel tinha os pés presos em cadeias, os ossos quebrados e era enterrado em decúbito dorsal, para impedir seus ataques.
Já o Gayal, assume características de Vampiro mais uma vez devido a problemas no sepultamento, por ser uma pessoa sem família para zelar por seu funeral, ou se a família por alguma razão não realizou as cerimónias. Ele é enterrado sumariamente sem ritos póstumos. O Gayal ataca seus parentes e os filhos de seus vizinhos. A destruição do Gayal é feita quando lhe fazem os ritos póstumos e lhe queimam o corpo.
Fonte: http://www.astrologosastrologia.com.pt/vampiros_VampirospeloMundo.htm
A menina mal percebeu a chegada de Helen, só se dando conta mesmo de que esta falava com ela quando a moça mencionou ser também uma estudiosa que queria compartilhar algumas informações sobre o conhecimento de ambas em determinado assunto. Logo a menina levantou a cabeça, observando a mulher de forma calculista, mas ficando certamente interessada na proposta dela.
-Hm... A sua interrupção é certamente adequada, Helen - disse. A voz dela era doce, fazendo um conjunto harmonizado com seu corpo. Logo continuou
– Eu sou Sophia Beker. Talvez você se interesse em se sentar? Sim, acho que assim teremos um melhor diálogo – Ela tinha um jeito estranho de falar. Talvez um pouco seco e sem muito rodeios, como é de costume quando se conhece uma pessoa... E isso costumava afastar as pessoas dela. Sophia indicou para a moça se sentar e logo colocou alguns livros em uma cadeira vaga, para que eles não atrapalhassem a visão de ambas
– O meu estudo não é apenas diletante, mas confesso que gosto realmente disso – indicou os livros
– Qual sua área de estudo, Helen? Eu no momento estava estudando alguns mitos, talvez seja do seu interesse –Virou o livro para a moça, mostrando a página que havia acabado de transcrever em seu caderno. Não falou exatamente para o que era, mas achava interessante compartilhar o que ambas sabiam sobre o assunto. Sophia guardou o celular e prestou atenção na reação da mulher ao ver o livro
– Você os conhece? – Perguntou de forma direta. Queria saber mais sobre aquilo que estava lendo, e pensou que talvez a mulher soubesse algo sobre aquilo, ou sobre alguma coisa que pudesse complementar o estudo dela.