Participação de Marie Angeline Radelle (em itálico)
- Cega...?O padre sorri e fecha os olhos, abaixando um pouco a cabeça, interrompendo a conversa por alguns segundos. Fez uma breve oração, o que pode ser percebido pelo franzir da testa e dos lábios movendo-se sutilmente, sem produzirem um som. Finalizou com um sinal da cruz, e então um sorriso. A oração serviu para que, com sua Fé, pudesse encontrar outros vampiros ao redor. Se aquele demônio realmente conhecesse o poder da Fé, não o desafiaria sozinha. Não estava ali para desafios. Queria conhecer o poder de Deus, o seu inimigo. Já mostrava sinais de temê-lo, recusando o convite para entrar na catedral.
– Deus me dá olhos onde não posso ver, cara...? – “Amiga”.Dá sua mão em cumprimento, esperando que ela diga seu nome. Mesmo que conversasse com um demônio, e mesmo que ele pudesse ter mil nomes, e ainda assim resolvesse usar um nome falso, mantinha a cordialidade. Aperta a mão gelada da moça com firmeza, a olhando nos olhos, incisivo, sem mostrar medo algum. Pensou no convite que ela lhe fez, e conversar com ela sobre sua história podia ajudar, mas também podia atrapalhar. Não mostraria a ela seus erros, seus pontos fracos. Não daria essa chance a ela.
– Não posso ir com você agora... "amiga". Tenho outras incumbências neste momento. Interrompi um trabalho no meio para vir ao seu encontro, e ele deve continuar. Sou Wallace. Padre Wallace. - Mesmo que ela não dissesse o nome, o padre se apresentou. Mostrava-se forte enquanto ela se encolhia.
Permite ser tocada pelo padre com o cumprimento. Percebe uma pele normal, um pouco afinada pela idade, mas que mantém o calor dos vivos. Marie só não tem certeza se seria seguro um dia provar daquele sangue.
O religioso a encarava com um olhar incisivo e corajoso. Ele já havia mostrado alguns truques, como seus símbolos e a proteção da catedral. Estava na hora de experimentar um pouco o amor cainita. Marie concentra toda a sua atenção dentro dos olhos do religioso, retribuindo aquela postura determinada com o seu sedutor poder do sangue. Suas próximas palavras iriam ser recebidas com muita boa vontade pelo pároco, gerando uma reflexão tendenciosamente negativa*.
– Padre Wallace, eu entendo suas preocupações em passar um tempo comigo. Consigo compreender como seria constrangedor passear ao meu lado e falar de seu deus depois de ter experimentado o mundo. Ainda que tenhamos recebido o perdão do deus de amor, há lembranças em nossas almas que merecem ser enterradas para sempre. Coloca sua outra mão sobre a dela, estendendo o cumprimento por mais alguns instantes. Quem os via de longe podia imaginar que o padre consolava a moça de alguma maneira, com palavras iluminadas. Nesse momento vê Beatrice entrando na catedral com seu olhar perdido, amargurada. E então se lembrou de sua mais simples incumbência, mais importante que qualquer outro trabalho ao qual foi designado: trazer paz ao coração dos filhos de Deus. Apressou o fim da conversa, insistindo na despedida, mas ainda tinha uma pergunta.
– Podemos continuar essa conversa outro dia. Onde posso te encontrar? – Não se preocupe com isso, padre. Laissez les bons temps rouler.
Marie deixa o padre com o famoso lema da cidade. Sem olhar para trás ela entra no carro que a aguardava e ordena que faça o retorno ao Masquerade. Já passou riscos demais em uma noite.A pergunta que o padre fez não era simplesmente para dar continuidade àquela conversa. Queria saber onde começaria a procurar pelos demônios. Ainda assim ela resistiu. Nem seu nome cedeu. Acreditou que a vampira estivesse realmente com medo. E isso não era bom. A deixaria cautelosa, mais difícil de alcançar. Observou o caminhar da moça até o carro, enquanto a última frase que ela disse ecoava em sua mente.
"...há lembranças em nossas almas que merecem ser enterradas para sempre." O quadril oscilante de Marie indo embora serviu como um pêndulo, que o colocou em um breve transe, e fez aquela frase ficar guardada em algum lugar de sua mente. Recuperou a consciência assim que o carro arrancou, a tempo de ver a placa e memorizá-la. Não queria ficar sem pista alguma. Mesmo que não a purificasse, a conversa havia sido de fato agradável, e podia ter uma continuação.
Seus pensamentos se distraíram quando voltava, ao ponto de quase não notar onde a moça desamparada havia se sentado. Já havia passado por ela, então interrompeu seu caminho, fazendo seus passos pararam de ecoar pela igreja quase vazia. Não se podia notar a presença de ninguém além dos dois. Já era tarde, e em breve as portas se fechariam, mas as almas não teriam seu tormento apaziguado. Olhou para a moça e sentiu um pouco de sua dor, sabendo que podia ajudá-la. Ela era bonita, e pelas suas roupas, não parecia ter a intenção de ir à igreja aquela noite. Os passos de corrida no parque acabaram por levá-la até ali pela vontade de Deus. A moça precisava Dele, e Wallace seria Vosso instrumento.
Deu o sorriso simpático e aconchegante, pedindo licença em silêncio, e sentou-se ao lado dela. Olhou para toda a nave da igreja, para a imagem de Cristo que se sustentava imponente sobre o altar para lembrar a todos o motivo de seu nascimento entre os homens, e após um suspiro, deu sua mão moça.
– Vamos fazer uma oração... - E então, em voz alta, concentrando-se de olhos fechados, segurando a mão da moça, rezou o Pai Nosso. A oração mais simples, aquela que todos sabiam (ou deveriam saber), e que chegava mais fácil ao coração dos filhos Dele. Não era apenas um veículo de Deus. Era também um homem, uma mão de carne e osso que apoiava Beatrice sem julgá-la nem apontar o dedo em sua cara por suas tragédias. Ele nem parecia saber quem ela era.
* Uso do nível 1 da disciplina Presença (Fascínio).