TRECHOS EM ITÁLICO POR PETER O'CONNOR
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Ele escutou O’Connor colocar sua proposta na mesa enquanto colocava para dentro um gole de seu vinho. Por sorte o sujeito escolhera para ele um vinho suave com uma dose de álcool bastante moderada. Certamente LeRoy gostaria de estar sóbrio para experienciar o que viria a seguir dotado de todas as suas faculdades mentais de outro modo não saberia se desataria a cuspir todo o vinho na cara dele, gargalhando histericamente, ou se sairia correndo do restaurante no mesmo momento desejando que o homem se engasgasse com a comida.
O’Connor propôs repassar para ele uma percentagem de 20% sobre as dez primeiras peças comercializadas. Posteriormente poderiam rever esse balanço. Mas isso apenas revelou para LeRoy que o homem não conhecia o produto, nem o mercado com que estava lidando. LeRoy Blanchard era até que razoavelmente conhecido entre os apreciadores de arte, mas era pouco, e muito pouco, ainda tinha muito nome por conquistar para que suas artes se vendessem por nome. No circo capitalista em que viviam, uma boa marca fazia boa parte do trabalho de vendas. Mas LeRoy ainda precisava fortificar a sua para que sua vida se tornasse mais fácil. Sonhava com o dia em que seria procurado para expor suas peças e não o contrário, com o dia que pudesse apenas vender suas peças pela internet e não precisar ficar batalhando espaço em leilões de arte. Portanto. Numa exposição de pequeno porte, o que seu nome tinha condição de sustentar. Vender dez peças era sucesso absoluto. O que significaria que ele não lucraria muito naquele negócio. Observava o companheiro de mesa com atenção para ver se conseguiria aumentar um pouco mais aquela percentagem. Pois, pragmático do jeito que parecia ser, o homem não investiria em arte por muito tempo. Este claramente não era seu interesse, percebeu isto pela forma como ele não dialogava com LeRoy quando este falava de seu trabalho ou de seus interesses. Ele logo voltava o assunto para sua área de especialidade, os negócios, sua curiosidade era meramente prática. Era só mais um empresariozinho a se fazer de bom moço com marketing cultural.
Vinte por cento. E as obras ainda tinham que passar pelo crivo de um avaliador para mensurar um preço por cada peça. Ele já tinha uma ideia aproximada de quanto seria, e isso não lhe renderia muito a longo prazo. Olhou para O’Connor e depois para a advogada. Práticos... Burocratas... Não havia qualquer indício de paixão em seus olhos. Aquela seria uma fonte que secaria rápido. Uma oportunidade, provavelmente única. Portanto não tinha muito a perder, deveria pedir mais.
Ele comunicou que a advogada deveria cuidar da burocracia, como já era esperado. E o absurdo veio depois. O que deixou a mulher completamente irada e ele com uma sensação absurda de incredulidade. O homem teve a audácia de oferecer um barão para cada um. Apenas como um gesto de cortesia para confirmar seu interesse numa “parceria”. Aquilo cheirava a outra coisa. Marketing cultural é o meu rabo, pensou.
Aliás, a moça só faltou mandar o homem enfiar o dinheiro no rabo. De certa forma, o fez, mas de um jeito mais educado e saiu da mesa decidida, deixando para trás um silêncio desconfortável.
— Guarde seu dinheiro, Sr. O’Connor. São minhas peças que eu disponho para vender. Não minha pessoa. Seja lá o que quiser comprar com esse “gesto de boa fé”, não precisa se preocupar. A única coisa que quero é ter meu nome circulando e que as pessoas venham conhecer meu trabalho. Se o senhor quer financiar uma exposição, tudo bem, mas o senhor vai ter que confiar no meu profissionalismo.
Por um lado era uma pena ter que mandar embora um barãozinho. Mas aquele seria um barão problemático. Como dizia sua mãe. Dinheiro nunca vem de graça, e quando vem demais e por pouco é porque está sendo oferecido pelo diabo.
Ouvi atentamente cada disparate que a loirinha tinha para falar. Ela não sabe o que estava falando e nem com quem estava falando. Ela pode se considerar uma verdadeira vaca de sorte. Se tivéssemos marcado esse encontro lá pelas bandas de Lakefront, o papo iria terminar de outra maneira. Ou uma bala enfeitaria seus miolos, ou um lindo traço aberto decoraria sua garganta. Talvez um ou dois pulmões perfurados com um picador de gelo. Ela não me conhecia, e não sabia o que existia por trás da minha proposta de chatices burocráticas. Tenho ao meu lado um de marginais, homicida e estupradores. Criminosos de todos os tipos sedentos para dar a vida por uma boa defesa no tribunal. Se aquela loirinha achava que tal insulto iria ficar barato estava muito enganada. Meus olhos faiscavam raiva. Tinha ido para esse jantar levemente irritado por causa do bosta do produtorzinho e agora emputecido pela vadia loira. Eu estava por um fio, mas tinha que me controlar. Não podia deixar transparecer para aquele artista, minha futura maquina de lavar, que por traz do polido senhor O’Connor, estava adormecido Pedrito El Sanguinário.
Respirei fundo e tomei uma longa golada do suco. Fechei por um segundo meus olhos e encarei Leroy. As palavras do artista não contribuíram nem um pouco para o meu bom humor. Mas podia admitir que o sujeito tem mais fibra do que aquela lapida doutora.
Escutei atentamente sua balela sobre não estar preocupado com o dinheiro, o que importava para ele era tão somente a sua arte. De certo ele estava querendo negociar, mas o percentual fora oferecido. Ele não sabia sobre que tipo de negocio eu queria propor, e nem quanto iria lucrar. Eu iria dar minha ultima cartada e se esse tal Leroy não aceitasse iria mandar ele pra puta que o pariu e colocá-lo a mesma lista de desafetos a qual acabava de entrar puta que deixou o restaurante.
- Fique com o dinheiro! – Falei com um leve tom de ordem. Abri um largo sorriso antes de começar a falar. Mudei a voz deixando ela mais suave, pois o que iria falar não seria tão suave. – Você esta preocupado com sua arte? Pois saiba que as dez primeiras obras que forem vendidas serão doadas ao museu da universidade Loyola. Como sei disso, simples. Eu serei o comprador delas. Ofereço ao senhor quatrocentos dólares por peça. O Senhor irá ganhar em uma noite quatro mil dólares meus. Suas obras já serão vendias inicialmente por dois mil dólares. A partir da décima peça os percentuais mudam como já falei. Isso que estou dando agora ao senhor é só um incentivo. Nada mais. Compre um terno, telas, tinta, argila. Gaste com uma garota, - Vidrei meus olhos nos dele, para saber o quão sério era aqueles míseros mil dólares.- mas não recuse, pois assim será uma ofensa a minha pessoa.
As cartas estavam lançadas. Agora era pegar ou largar. Se ele largasse estaria assinando a sua sentença de morte.
Ele ouviu com cuidado a continuação da proposta de O'Connor e a coisa continuava boa demais para ser verdade. Portato, LeRoy hesitava, franzia o cenho e praticamente maneava em incredulidade.
- Não, eu não vou aceitar. Vamos fazer a exposição, o senhor pode comprar as obras se quiser, e me passe a percentagem que achar que meu trabalho vale. Sempre aprendi que dinheiro não deve vir fácil. Agradeço seu gesto, mas me contentarei com o dinheiro que a exposição render. Seja lá o que o senhor esteja temendo que eu faça ou diga, eu não farei nada, não direi nada. Não o conheço e nem sei o que vocé faz. E, honestamente, depois disso não tenho interesse em conhecer... Como dizem, a ignorância pode ser uma benção. Assim, você consegue o que precisa e eu também. - Disse, tomando o cuidado de não dar nomes aos bois, mas deixando a entender que já sabia qual era o jogo posto naquela mesa. E era um jogo perigoso, portanto, quanto menos aceitasse do sujeito, melhor.
A fala de LeRoy foi o que eu esperava. Receio em aceitar aquele dinheiro que eu oferecia, mas aceitou o negocio proposto. Pronto, não precisava mais matar esse artista. Ele entendeu perfeitamente o que eu estava propondo. Realmente gostei do sujeito.
- Pois bem LeRoy, façamos do teu jeito. – Pego o dinheiro e guardo novamente. – Mas saiba que por causa do que você falou e demonstrou aqui serei teu padrinho, isso significa que quando precisar pode me procurar. – Sorri largamente enquanto guardava retirava do bolso blazer uma caneta. Pequei um guardanapo, anotei o número do meu telefone, mas anotei meu nome. – Peque esse isso. Caso queira, ou precise falar comigo, este é meu telefone. Poucos o têm, então não espalhe.
Quando guardava a caneta no bolso senti o celular vibrando. Retirei do bolso e olhei o identificador. Não conhecia o número.
- LeRoy um minuto por favor! – Sai da mesa e caminhei até perto da porta para atender o aparelho.
- Alo! – O sujeito usou o nome o qual eu era conhecido alem da fronteira. - Quem está falando? – Não conhecia nenhum Jason, mas o nome que ele falou a seguir me fez escuta-lo. - O que quer? Seja rápido! – Puta que o pariu, o cara ta usando meu padrinho para tirar ele de uma encrenca com os “polícia”. Ele estava nos strip club mais conhecido da cidade. Sorte dele eu estar perto. – Quédate donde estás. Yo ya estoy por venir. – Falei em espanhol antes de desligar.
Caminhei a paços largos até a mesa. Não me sentei. Retirei os mil dólares do bolso coloquei na frente de LeRoy.
- LeRoy, sinto muito mas tenho que ir. Irei acertar tudo para nossa exposição. Por favor pague a conta. Até breve!
Dei as costas para ele e caminhei. Enquanto ia para a saída pensei. “Agora ele vai ficar com o dinheiro”
LeRoy observou-o partir com alívio e ficando com a impressão de que a partir daquele momento sua viva saía de seu controle. Que cagada. Que cagada das grandes acabara de fazer. Sempre tomara cuidado para não se meter com bandidagem, mas lá estava um xicano filho de uma puta querendo pagar de poderoso chefão com ele. PUTA QUE PARIU, teve vontade de gritar, mas deu apenas um leve soco na mesa, o que fez o bolo de dinheiro pular. Filho da puta mais uma vez.
Ergueu a mão para chamar o garçom e fez o sinal para pedir a conta. Quando a capinha de couro com a nota chegou, nem se deu ao trabalho de chegar a extensa lista depedidos. Assinou a nota com o nome Peter O'Connor e colocou todo o dinheiro lá dentro. Em seguida deixou o restaurante.
Para todos os efeitos, O'Connor esbanjara no Arnaud's Restaurant e jamais tentara enganá-lo a aceitar um suborno. LeRoy apenas venderia suas peças para o homem, que tinha todo o direito de comprá-las se quisesse e depois daquela maldita exposição, que pela primeira vez não fara absolutamente nada para divulgar - quanto mais fracassada fosse, mais fácil O'Connor partiria para a próxima, por mais que apenas desejasse fazer lavagem de dinheiro, ainda precisaria de lucros para que isso acontecese e LeRoy não contribuiria para isso.