Dois passos para a esquerda, duas barrinhas. Mais um passo para a esquerda, uma barrinha morre. Volta outro passo, nada de uma nova barrinha. Antes que pudesse começar a discar o número, o sinal todo torna a morrer.
Fog bateu o celular contra a coxa em frustração antes de socá-lo no fundo do bolso da calça, xingando tanto o aparelho quanto seu amigo que era de certa forma o culpado por aquela situação toda. Arrependeu-se de não ter voltado no caminho e procurado-o enquanto ainda tinha sol pra iluminar aquele cabeção de fogo ao longe. A cerveja quente chacoalhando dentro do seu estômago vazio enquanto corria deve ter lesado seu bom-senso. Ou então o fato de ter passado as últimas horas assistindo caipiras yankees pedirem para ele dizer o nome "britânico" das coisas contaminou-o com a burrice deles.
Os flashes vermelho e azul do carro da polícia se aproximaram e clarearam os portões gradualmente, fazendo-o se abaixar de novo, mas dessa vez atrás de uma mureta em ruínas, onde ficou até que eles sumissem de vista. Quando se ergueu, viu que suas mãos apoiadas antes nos tijolos, estavam sujas de um pó negro muito parecido com fuligem. Esfregou as palmas na barra da camisa até que boa parte do pó saísse, enquanto voltava a encarar o prédio abandonado atrás de si, por cima do ombro. Imaginou que aquele lugar pegara fogo um dia, aumentando sua hipótese sobre ter sido uma fábrica. Poderia voltar ali depois para vasculhar melhor. Como crescera em uma cidade cercada por fábricas e outros edifícios industriais, tinha criado um gosto particular por esse tipo de ambiente. Um dos seus sonhos era dar um show fodástico num lugar daqueles, e quem sabe até gravar um clipe.
De repente ouviu o ruído de algo caindo, muito parecido com uma árvore folhuda rachando o tronco e despencando, fazendo-o dar um pulo para trás e erguer o rosto para os lados, procurando sua origem. Arregalou os olhos para forçar a vista, mas estava escuro demais para que pudesse ver algo além do brilho fraco da lua invadindo as janelas mais altas. Tentou usar a luz do celular mais uma vez, erguendo-o acima da cabeça, mas o alcance dela não era grande o bastante.
- T-tem alguém aí...? - experimentou perguntar para a escuridão, sua voz meio rouca pela garganta seca. Não ouviu nada em resposta além da própria respiração se alterando.
Sua atenção foi chamada intuitivamente para as janelas que estivera olhando. Pôde ver o interior dos andares ir se escurecendo devagar, dando a impressão de estarem sendo preenchidos por uma espécie de fumaça tão negra quanto a fuligem que sujou suas mãos. Involuntariamente, seu corpo todo estremeceu, e sentiu como se um dedo muito gelado tivesse passado pela sua coluna, desde a nuca até o começo do cóccix. Foi o suficiente para fazê-lo dar outro pulo e se afastar aos tropeços, sem dar as costas para o prédio. Seu celular caiu no chão e se apagou, mas pegou-o quase que no mesmo instante e continuou a se afastar até que trombasse no portão. No pânico de sair pela greta estreita, acabou por enroscar um furo mínimo do joelho da sua calça em um pedaço da grade, rasgando ainda mais o tecido e cortando de leve a pele embaixo dele. Mesmo que sua preocupação maior agora não fosse vazar dali, não iria se importar com o estrago; podia ser facilmente confundido com um mendigo às vezes.
O carro da polícia já havia se afastado mais uns duzentos metros pela rua esburacada, mas ainda assim preferiu agachar e ir calmamente se esgueirando atrás dos postes até que tomasse uma distância segura onde não poderia ser facilmente visto. É claro que se sentia um pouco ridículo fazendo aquilo, só que não havia outra opção. Ser preso por causa de uns rednecks? Ficar bancando o cagão naquela porra mal-assombrada? Não, era melhor se enfiar no meio do mato e correr de volta para a civilização. Encontrar Jakob e o estrangular até que a raiva passasse.
Já podia ver a claridade vinda das casas no bairro, quando tomou o terceiro susto da noite, com um grito forte e repentino que ecoou saindo direto do seu celular. Nada mais era do que o toque personalizado que botara, uma música do Misfits. Quase apropriado demais. Com uma mistura de alívio e emputecimento, viu na tela o nome de quem ligava: Jakob.
- Seu filho de uma puta mal-paga, onde você tá? - rosnou ao atender a ligação, automaticamente olhando ao redor para se certificar de que não havia ninguém por perto para ouví-lo. - Ah é, e tá gostoso aí? - perguntou com sarcasmo, estreitando os olhos - Eu saí correndo ué! Não! Não vi, porra! Sei lá, eu segui por uma ruazinha escrota e fui parar num troço caindo aos pedaços... Uma fábrica, acho. - voltou a caminhar apressado enquanto respondia irritado ao amigo, sempre espiando para trás. - Tava sem sinal ué! Quê?! Não, eu tô perto de umas casinhas agora... Tinha um carro da polícia me procurando, sabia? É bem óbvio né? Bro, você é muito retardado, eu juro que nunca mais saio sozinho com você... - atravessou uma data vazia, chutando algumas latas que estavam pelo caminho, e saiu direto em uma rua movimentada onde tinha um ponto de ônibus do lado oposto - Oh, achei um ponto de ônibus... Tá, tá! Vai à merda. Tchau.
Desligou o aparelho e enfiou-o no bolso antes de atravessar a rua, praguejando. O tempo todo em que estava se enfiando no meio do matagal ou se apavorando com pseudo-alucinações induzidas pelo medo, Jakob tinha conseguido escapar dos caipiras por um caminho menos sinistro, encontrado uns amigos dele que estavam zanzando por aquele fim de mundo também, e pegado uma carona com eles até um bar onde havia cerveja de verdade. Achava surreal a capacidade que o amigo tinha de se dar bem mesmo se metendo em tanta confusão. Queria surrá-lo.
Entrou no primeiro ônibus que surgiu e foi embora, encontrá-lo no tal de Razzoo.
Fog bateu o celular contra a coxa em frustração antes de socá-lo no fundo do bolso da calça, xingando tanto o aparelho quanto seu amigo que era de certa forma o culpado por aquela situação toda. Arrependeu-se de não ter voltado no caminho e procurado-o enquanto ainda tinha sol pra iluminar aquele cabeção de fogo ao longe. A cerveja quente chacoalhando dentro do seu estômago vazio enquanto corria deve ter lesado seu bom-senso. Ou então o fato de ter passado as últimas horas assistindo caipiras yankees pedirem para ele dizer o nome "britânico" das coisas contaminou-o com a burrice deles.
Os flashes vermelho e azul do carro da polícia se aproximaram e clarearam os portões gradualmente, fazendo-o se abaixar de novo, mas dessa vez atrás de uma mureta em ruínas, onde ficou até que eles sumissem de vista. Quando se ergueu, viu que suas mãos apoiadas antes nos tijolos, estavam sujas de um pó negro muito parecido com fuligem. Esfregou as palmas na barra da camisa até que boa parte do pó saísse, enquanto voltava a encarar o prédio abandonado atrás de si, por cima do ombro. Imaginou que aquele lugar pegara fogo um dia, aumentando sua hipótese sobre ter sido uma fábrica. Poderia voltar ali depois para vasculhar melhor. Como crescera em uma cidade cercada por fábricas e outros edifícios industriais, tinha criado um gosto particular por esse tipo de ambiente. Um dos seus sonhos era dar um show fodástico num lugar daqueles, e quem sabe até gravar um clipe.
De repente ouviu o ruído de algo caindo, muito parecido com uma árvore folhuda rachando o tronco e despencando, fazendo-o dar um pulo para trás e erguer o rosto para os lados, procurando sua origem. Arregalou os olhos para forçar a vista, mas estava escuro demais para que pudesse ver algo além do brilho fraco da lua invadindo as janelas mais altas. Tentou usar a luz do celular mais uma vez, erguendo-o acima da cabeça, mas o alcance dela não era grande o bastante.
- T-tem alguém aí...? - experimentou perguntar para a escuridão, sua voz meio rouca pela garganta seca. Não ouviu nada em resposta além da própria respiração se alterando.
Sua atenção foi chamada intuitivamente para as janelas que estivera olhando. Pôde ver o interior dos andares ir se escurecendo devagar, dando a impressão de estarem sendo preenchidos por uma espécie de fumaça tão negra quanto a fuligem que sujou suas mãos. Involuntariamente, seu corpo todo estremeceu, e sentiu como se um dedo muito gelado tivesse passado pela sua coluna, desde a nuca até o começo do cóccix. Foi o suficiente para fazê-lo dar outro pulo e se afastar aos tropeços, sem dar as costas para o prédio. Seu celular caiu no chão e se apagou, mas pegou-o quase que no mesmo instante e continuou a se afastar até que trombasse no portão. No pânico de sair pela greta estreita, acabou por enroscar um furo mínimo do joelho da sua calça em um pedaço da grade, rasgando ainda mais o tecido e cortando de leve a pele embaixo dele. Mesmo que sua preocupação maior agora não fosse vazar dali, não iria se importar com o estrago; podia ser facilmente confundido com um mendigo às vezes.
O carro da polícia já havia se afastado mais uns duzentos metros pela rua esburacada, mas ainda assim preferiu agachar e ir calmamente se esgueirando atrás dos postes até que tomasse uma distância segura onde não poderia ser facilmente visto. É claro que se sentia um pouco ridículo fazendo aquilo, só que não havia outra opção. Ser preso por causa de uns rednecks? Ficar bancando o cagão naquela porra mal-assombrada? Não, era melhor se enfiar no meio do mato e correr de volta para a civilização. Encontrar Jakob e o estrangular até que a raiva passasse.
Já podia ver a claridade vinda das casas no bairro, quando tomou o terceiro susto da noite, com um grito forte e repentino que ecoou saindo direto do seu celular. Nada mais era do que o toque personalizado que botara, uma música do Misfits. Quase apropriado demais. Com uma mistura de alívio e emputecimento, viu na tela o nome de quem ligava: Jakob.
- Seu filho de uma puta mal-paga, onde você tá? - rosnou ao atender a ligação, automaticamente olhando ao redor para se certificar de que não havia ninguém por perto para ouví-lo. - Ah é, e tá gostoso aí? - perguntou com sarcasmo, estreitando os olhos - Eu saí correndo ué! Não! Não vi, porra! Sei lá, eu segui por uma ruazinha escrota e fui parar num troço caindo aos pedaços... Uma fábrica, acho. - voltou a caminhar apressado enquanto respondia irritado ao amigo, sempre espiando para trás. - Tava sem sinal ué! Quê?! Não, eu tô perto de umas casinhas agora... Tinha um carro da polícia me procurando, sabia? É bem óbvio né? Bro, você é muito retardado, eu juro que nunca mais saio sozinho com você... - atravessou uma data vazia, chutando algumas latas que estavam pelo caminho, e saiu direto em uma rua movimentada onde tinha um ponto de ônibus do lado oposto - Oh, achei um ponto de ônibus... Tá, tá! Vai à merda. Tchau.
Desligou o aparelho e enfiou-o no bolso antes de atravessar a rua, praguejando. O tempo todo em que estava se enfiando no meio do matagal ou se apavorando com pseudo-alucinações induzidas pelo medo, Jakob tinha conseguido escapar dos caipiras por um caminho menos sinistro, encontrado uns amigos dele que estavam zanzando por aquele fim de mundo também, e pegado uma carona com eles até um bar onde havia cerveja de verdade. Achava surreal a capacidade que o amigo tinha de se dar bem mesmo se metendo em tanta confusão. Queria surrá-lo.
Entrou no primeiro ônibus que surgiu e foi embora, encontrá-lo no tal de Razzoo.