Vampiro: NOLA
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Manicômio Abandonado

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Responsável pelo Ciclo
Interno 17
Gia Kafka
Mestre de Jogo
8 participantes

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21Manicômio Abandonado - Página 2 Empty Re: Manicômio Abandonado Qua Ago 08, 2012 9:25 pm

Isabela Sforza

Isabela Sforza
Anciã


Ela observou a aparição desaparecer de sua visão e sentiu-a encaminhar-se para seu próprio plano de quase existêcia até que não mais sentiu nada. As brisas do manicômio se tornaram ordinárias, toda a sujeira tornou-se apenas imunda. Todo o horror era apenas digno de pena. E ela tinha uma missão. Levandou-se do chão e olhou ao redor ao que começou a caminhar e inspecionar o lugar com uma atenção que ainda não tinha se dado ao trabalho — na verdade, nunca tivera interesse pelo lugar a ponto de vasculhá-lo. Era uma casa grande, repleta de pequenos quartos, salas de conviviência, salas de descanço para enfermeiros, consultórios médicos e salas de procedimentos. Encontrou numa destas salas, jogadas sobre uma mesa ferramentas para lobotomia. Perguntou-se por uma fração de segundo se 17 teria seu espírito impedido de se manifestar através de um procedimento tão agressivo para com a mente humana. A mente humana é tão sensível. Pouco pode suportar sem receber algum tipo de trauma... Por vezes até nascer era considerado um malefício para a mente. Isabela sabia da psique apenas o suficiente para lidar com suas traumatizadas aparições, pouco lhe importava a mente dos vivos. Mas por um tempo suas prioridades teriam que mudar. Iria restaurar aquele lugar e pelo favor de 17 encheria aquele lugar de insanos novamente. Os perturbados seriam a companhia de 17 e o chamariz para o que quer que achasse que com isso traria para cá. Por outro lado, teria um lugar mais seguro para se alimentar, além uma equipe inteira sob a sua influência.

Obviamente tantos benefícios chamariam atenções indesejadas e imaginava que a Senescal pouco ou nada ficaria satisfeita com a restauração de um lugar para abrigar os loucos. Helena já estava na cidade quando o fatídico incêndio que condenou o lugar ao seu fechamento e a escondida Ala 9 desapareceu de todos os registros. Imaginava se seu clã estaria envolvido com aquilo. Sim, a Senescal ficaria furiosa com a restauração do lugar. Mas que ficasse! Não se importava com a impossível satisfação de sua insegurança.

Deixou o lugar e se dirigiu para o carro, estacionado à porta do estabelecimento. Não gostava de dirigir. Aprendera apenas o suficiente para não ter a necessidade de um carniçal levando-a para lá e para cá. Por mais que seus carniçais fossem sempre muitíssimo bem selecionados, úteis e, acima de tudo, fiéis, haviam momentos, como aquele, que a companhia da solidão era mais eficiente. Por isso estava sentada no banco do motorista naquela noite.

Sacou o celular e viu uma mensagem do diretor do necrotério. Muitos corpos teriam chegado naquela noite. Talvez algum lhe interessaria. A mensagem fora recebida horas atrás, quando ainda era dia. Respondeu-lhe rapidamente que apenas os não-identificados eram de seu interesse. Em seguida, ligou para Vicenzo e pediu-lhe para encontrá-la no hospital.


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Destino: Medical Center of Louisiana

22Manicômio Abandonado - Página 2 Empty Re: Manicômio Abandonado Qui Ago 08, 2013 1:59 pm

Michael Comache

Michael Comache

Michael estava adormecido em cima de alguns escombros. Dormia de bruços, a barriga tocava algumas madeiras apodrecidas empilhadas.  Estava com a respiração difícil, embora estivesse em um sono pesado. Um pequeno ratinho se aproximou de sua perna com cautela, cheirando o garoto que parecia estar por lá há dias.  Seus trajes antes mais formais e elegantes, agora estavam rasgados e manchados com algum líquido espesso e escuro de cor avermelhada. Seu sapato do pé direito havia se perdido, exibindo uma meia branca com o solado escuro e sujo – devia ter perdido o sapato ainda acordado, andando de meia por algum tempo. O rato se equilibrou nas duas pequeníssimas patinhas e pareceu esfregar as pequenas patinhas dianteiras rosadas.

O local parecia uma antigo quarto, bem pequeno e pobre de móveis. As paredes estavam cobertas por um papel de parede listrado, possivelmente branco e cinza no passado, mas agora era escuro e com pequenas manchas esverdeadas de musgo e infiltração de água. A armação de uma pequena cama estava presente, mas não havia colchão. As madeiras apodrecidas onde Michael dormia eram, certamente, do telhado – o teto agora dava para o azul do céu e para algumas telhas prontas a desmoronarem também. Estava amanhecendo, mas o sol ainda não havia surgido, mesmo assim o quarto estava claro. Não havia janelas, mas havia uma porta de ferro que dava acesso ao quarto – fechada e com uma pequena janelinha de vidro onde era possível se observar dentro.  No canto do quarto, afastado da cama, havia uma cadeira, branca – um móvel fora do contexto: era a única coisa naquele quarto inteiro que parecia nova, praticamente intocada.

Houve um grande barulho que vinha de baixo. Certamente Michael estaria no piso superior de uma grande construção. Um estranho grito e um rangido – a casa parecia chorar. A casa inteira. As madeiras apodrecidas rangeram, algumas portas se fecharam com força e criaram um eco e o vento passava pelo vão de milhares de janelas criando um assobio sinistro. O pequeno rato que antes parecia tranquilo e confortável na presença do estranho, correu até um pequeno buraco na parede e desapareceu. Michael acordou.

Abriu os olhos com dificuldade, a luz da manhã doía-lhe a vista. Deu algumas piscadas, mas ainda parecia adormecido e permaneceu deitado, imóvel. Fechou os olhos novamente, como quem solicita ao corpo mais um tempo de descanso. Sonhou que estava em um quarto fechado, esquecido e destruído. Estava deitado no chão e quando abriu os olhos, viu uma mulher sentada em uma cadeira branca. Ela estava completamente nua. Tinha seios pequenos e firmes, era branca de uma maneira incômoda, como se estivesse morta ou doente, e estava de olhos fechados. O cabelo muito escorrido caía-lhe pelos ombros em um tom palha, sem vida.

A mulher abriu os olhos. Tinha olhos inteiramente negros e assustadores. Inclinou a cabeça levemente para o lado, se dando conta da presença de Michael ao canto da sala. Era terrivelmente perturbador o seu olhar. Levantou-se e caminhou até Michael. Michael não conseguia se mover... Despertou. Abriu os olhos. Olhou ao seu redor e estava no quarto do sonho. O coração batia acelerado. Viu a cadeira. Levantou e sentou-se nas madeiras de uma maneira desesperada tentando recordar-se de como havia chegado até ali, mas não se lembrou. Na sua frente, havia uma cadeira, mas não havia mulher alguma. Ergueu-se. Seus músculos das pernas pareciam fracos, sem sustentação. Sentia-se como se já não andasse há meses, anos... Por quanto tempo havia dormido? Como chegou ali? Onde estava?

Caminhou até a porta. Levou as mãos até a maçaneta. A porta estava trancada e suas mãos deixaram um rastro vermelho na maçaneta. Olhou para as mãos em um estado já de loucura – "Estou dormindo. Certamente que estou dormindo...". Suas mãos  estavam furadas com uma das chagas de Jesus.

Plin, plic. Duas gotas de sangue caíram no chão, ecoando seu som molhado pelo pequeno quarto. A terceira, caiu no olho de Michael. Com o susto, o garoto caiu no chão. Mais gotas.  Não vinham do teto, mas escorriam de seus cabelos. A segunda chaga estava exposta em sua testa: a coroa de espinhos.

23Manicômio Abandonado - Página 2 Empty Re: Manicômio Abandonado Sáb Set 14, 2013 12:01 pm

Narrador Raoni

Narrador Raoni

Um mês depois que o Interno 17 havia saído do prédio do Manicômio Abandonado no corpo da pobre Gia o lugar apresentava um clima diferente. Um clima mais leve, que não expulsava aqueles que entravam ali. O ar deixou de ser tão denso, e a impressão de aquele lugar era mal abandonado deixou de ser palpável. A bagunça continuava sendo a mesma, dia após dia, a não ser que alguma alma viva interferisse nela. O caos havia desacelerado. O desgaste do prédio voltou a ser natural. Nenhuma força sobrenatural afetava mais aquelas salas. Ao menos não da mesma forma que o antigo “dono”.

Como ninguém mais era expulso de lá, podia-se trombar com um sem teto ou outro que fugia da chuva e do frio da noite. Gatos caçavam os ratos, e cães curiosos escondiam seus ossos por ali. Jovens que se desafiavam a explorar o lugar conseguiam ir mais além naqueles corredores e quartos do que qualquer outra vez que tentaram. Pixavam seus nomes nas paredes para provar que estiveram lá, e até gastavam mais tempo no lugar, vendo que de fato “não havia nada de mais”.

O cheiro de maconha e mijo ficou mais forte, indicando que aquele era o mais novo “point” de quem queria fazer uma festinha ilegal. Em uma noite um mendigo chegou a morrer embaixo da escada, por algum mal que atormenta aqueles que não tem abrigo, e ficou fedendo ali por vários dias. Aquele lugar ainda era conhecido por acontecerem coisas ruins aos que entravam lá. Ainda assim, o manicômio parecia menos abandonado. Parecia mais vivo.

O Padre Wallace não sabia disso quando mandou seu pupilo Michael para lá, em uma missão inicialmente filantrópica para ajudar algum sem-teto que estivesse passando fome ou frio naquele lugar. Levar para algum necessitado a palavra de Deus, além de comida e calor humano. O real objetivo do padre era mais uma vez testar o garoto. Mandá-lo para um local onde havia um real perigo sobrenatural, para que então tivesse sua Fé aflorada em um nível superior. Mas desde a noite anterior não tinha notícias do rapaz, que agora se encontrava em um sonho bizarro, porém revelador.

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Esta postagem e a seguinte abrem a narrativa Labirintos da Mente. Aqueles interessados em participar da narrativa devem verificar a disponibilidade de vagas e se inscrever no tópico da narrativa.

24Manicômio Abandonado - Página 2 Empty Re: Manicômio Abandonado Sáb Set 14, 2013 12:06 pm

Dr. Lambert

Dr. Lambert

- Marrie? Pode acordar? – Disse uma voz grave e idosa. – Acorde Marrie. Volte!

A voz pertencia a um homem idoso de fato, com uma calvície bem avançada, e cabelos brancos onde eles ainda cresciam. Tinham a cor de seu jaleco, impecavelmente alinhado. Uma gravata borboleta agravava o tom clássico daquele homem. Estava sentado na cadeira branca, no meio da sala, ao lado de um divã. Tinha a perna cruzada, segurando uma prancheta, onde fazia anotações com uma caneta tinteiro, tão clássica quanto sua roupa. Seu par de óculos pousava na ponta de seu nariz, o permitindo ler melhor o que estava no papel, mas sem interferir em sua visão para objetos mais afastados.

- Deite-se, Marrie, para que possamos continuar.

O resto da sala não estava mais quebrada. Estava nova, em perfeito estado. Os papéis de parede listrados, brancos e cinzas, estavam intactos e limpos, tendo a sua função de dar um ar limpo ao lugar. Havia móveis de madeira grossa e escura, cheias de livros de medicina e psicologia. A cadeira, os móveis, a mesa mais para o canto, tudo ali era novo ou bem conservado. Na parede, um diploma. Michael estava em um consultório, e ele era o paciente. Não se lembrava de nada desde a noite anterior, quando saiu da Catedral para ajudar os necessitados.

- Conte-me mais sobre essa mulher. Ela se parece com sua mãe?

O médico faz referencia a mulher que Michael vira no  “sonho”, e usava seu nome de mulher. O nome que ela queria deixar para trás e esquecer, assim como seu passado. Daquela vida que havia deixado em Mariachi, juntos com todos os seus piores problemas. O homem idoso os invocava assim que o chamava de Marrie.

As mãos de Michael estavam marcadas com cicatrizes, mas estas estavam limpas e não sangravam. Tinham apenas uma casca, como se tivessem aberto há pouco tempo, mas voltavam a cicatrizar. Não caía mais sangue de sua cabeça, mas se passasse a mão na testa, sentiria a marca das feridas ali.

25Manicômio Abandonado - Página 2 Empty Re: Manicômio Abandonado Seg Set 16, 2013 1:00 pm

Michael Comache

Michael Comache

Marrí, Marrí, Marrí/ é garota mas queria ter pipi/ Menina pequena/ Da perna grossa / Vestido e saia/ Ela não gosta... [♪]

Não estava dormindo, seus olhos estavam bem abertos. Michael estava sentando no divã com o olhar distante, sua vista estava em descanso, focando um ponto inexistente da parede e deixando tudo ao redor desfocado. A mente estava carregada. Algumas crianças cantavam esse trecho da canção em Mariachi como se fosse uma parlenda, dessas que se canta enquanto brinca de ciranda. As vozes estridentes das cinco crianças com rostos embaçados levavam Michael de volta para sua cidade. O que, no entanto, o fez viajar até aquele velho vilarejo no Texas era um só nome: Marrie. Saiu do Texas para finalmente abortar essa aberração de garota. Michael nasceu em Mariachi, é verdade, mas naquela cidade ninguém havia o visto nascer. Ninguém enxergava Michael, só Marrie. E quando Marrie era chamada, ela aparecia e trazia consigo o que Michael mais detestava: insegurança, incertezas. Quando esse demônio iria morrer? Ela precisava morrer. Ele precisava fazer esse sacrifício..

- Deite-se, Marrie, para que possamos continuar.

Marrie, Marrie, Marrie. O nome ecoava como sinos badalando sem ritmo. Primeiro parecia um eco distante, mas depois ia se aproximando, badalando, ensurdecendo.

Mexeu as mãos de uma maneira inquieta e só então se deu conta das cicatrizes. Lembrou-se de tudo que aconteceu naquele quarto, naquele dia - como se tivesse passado dias, meses ou anos - tudo veio à tona em uma onda surreal de lembranças. Era tanta carga emocional e informação que seu corpo respondia à violência psíquica sangrando: seu nariz começou a sangrar.

Uma lembrança dolorida tomou conta de sua mente: estava no trailer de Mariachi, novamente. Tinha mãos cobertas pela juventude ainda, cerca de 15 anos. Eles estavam ali, não tinha mais como negá-los – dois seios maduros, crescendo conforme a canção da puberdade. Não eram grandes, mas não deixavam mais seu tórax liso. Tinha nojo deles. Não porque eram feios, porque não eram, eram lindos. Tinha nojo da Marrie e de tudo que estava ligado à ela. Tinha raiva do nome, do corpo e da identidade. Um corpo errado. O espelho do banheiro voltou a embaçar com o vapor quente do chuveiro recém desligado. Enxugou-se rapidamente e foi até a cozinha de toalha. Não havia ninguém em casa. Embaixo da pia, no pequeno gabinete, pegou a fita adesiva prateada [silvertape] e voltou ao banheiro.

A fita deixava marcas de vermelhidão em sua pele tão pálida. Passou a fita em volta do busto, apertando-a com força contra o corpo e contra outras camadas. Apertou os seios para dentro da fita, escondendo, negando-os. Tornou-se liso, como deveria ser.

Voltou para a sala médica como se tivesse saído de um longo mergulho na água. Segurou-se no estofado do divã e respirou desesperadamente. As coisas estavam fora de foco. Lembrava-se vagamente do padre Wallace falando-lhe sobre a necessidade de um ato filantrópico, mas não se lembrava de quase nada. Olhou ao redor e viu o homem. Alto, pálido, mórbido. Seja lá quem ele fosse, estava chamando por alguém que Michael não conhecia, alguém que Michael tinha matado mas que insistia em ressurgir das cinzas, de seu passado sombrio, da dor. Marrie não existe.

Não sabia quem era o velho, mas agora olhando-o, tinha medo dele. Não porque tinha um aspecto mórbido, mas porque sabia coisas que ninguém mais deveria saber. Como sabia de Marrie? Como sabia do sonho com a mulher? Como sabia de seu passado?

- Des...culpe. Acho que o senhor está me confundindo... Como... Como eu vim parar aqui? Onde estamos exatamente? Quem é o senhor? Quem... Quem é Marrie?

26Manicômio Abandonado - Página 2 Empty Re: Manicômio Abandonado Ter Set 24, 2013 9:28 pm

Dr. Lambert

Dr. Lambert

– Seu nome não é Marrie Clemorent? – O médico olha na prancheta para se lembrar do sobrenome de sua paciente, e continua lendo outras informações no papel que estava preso à fina tábua de madeira. – Nasceu em trinta de fevereiro de mil novecentos e oitenta e cinco, em Mariachi, no Texas? Se sim, não estou me confundindo. Deite-se. – O pedido, que soava como uma ordem severa, pararia por aí se o médico não houvesse se lembrado de suas boas maneiras de repente. – Por favor.

– Está em uma consulta psiquiátrica. Eu sou o Dr. Lambert, o seu médico. E estamos em um hospital psiquiátrico.
– Começou a explicar calmamente para sua paciente, com toda a paciência que deveria dispor um médico com conhecimento sobre a situação de um doente. - Está aqui para cuidar de diversos problemas, mas principalmente, do seu transtorno de identidade de gênero. É por onde devemos começar.

Tirou o óculos, cruzou as pernas e se curvou levemente para frente, pousando a mão que tinha o óculos pendendo sobre o joelho. A pose o fazia se aproximar mais de sua paciente, já que a explicação que se seguiria precisava de mais atenção por parte de Marrie.

– Você não se lembra de como chegou aqui, ou mesmo de nossa consulta, porque foi submetida a um procedimento chamado de hipnose. Estava sob transe hipnótico. Não são todos que são suscetíveis a esse procedimento, mas tivemos sorte, e conseguimos algumas imagens de seu passado. Experiências que podem tê-la levado a esse quadro psiquiátrico. E isso pode ajudar em sua cura.

O que o Dr. Lambert estava fazendo era algo comum na vida de Marrie. Dizendo que ela tinha um problema, e que ela devia ser concertada. Pela primeira vez alguém falava isso com propriedades científicas, dando nomes às patologias e propondo caminhos para que isso acontecesse. Podiam ser as crianças em canções jocosas, senhoras beatas que faziam o sinal da cruz ao passar por ela, ou até mesmo seu pai que queria lhe “curar” a força. Todos eles não conheciam muito além do que a própria Marrie. Não iam muito além daquele vilarejo, e tinham ideias limitadas demais para que pudessem ser levadas a sério. Mas agora era diferente. Uma pessoa estudada, um médico psiquiatra, conhecedor da mente humana, lhe dizia que ela tinha um problema. E isso podia pesar mais do que qualquer opinião que tivesse ouvido até agora.

– Agora vamos continuar, Marrie. Diga-me. Esta imagem feminina, esta figura que viu, por acaso lembra a sua mãe?

O doutor colocou novamente os óculos, e pousou a caneta mais uma vez à folha sobre a prancheta, para continuar a escrever, esperando a colaboração de Marrie.

27Manicômio Abandonado - Página 2 Empty Re: Manicômio Abandonado Qui Out 03, 2013 11:31 am

Michael Comache

Michael Comache

- ... Cura? Hipnose?

Cada vez que o doutor pronunciava o nome dela, Michael podia senti-la chegar. Marrie estava voltando para aquele mundo, chegando naquela nova cidade, entrando naquela pequena sala, invadindo o corpo invadido anteriormente por Michael, apossando-se de sua mente. Era uma menina insegura, tímida, reprimida e triste.  Não deveria existir, não era bem vinda pelo hospedeiro daquele corpo. Seu corpo estava ali, mas era outra alma que o ocupava. O nojo era recíproco, ambos sentiam nojo do que viviam, sentiam nojo um do outro. Michael tinha nojo do corpo de Marrie, tinha nojo de seus seios que fazia questão de esconder diariamente, tinha nojo de sua genitália, nojo de seu cheiro, de seus traços mais delicados. Marrie tinha asco de ser diferente, dessa dualidade tão latente dentro de si, tinha raiva de Michael.

A voz de Marrie ainda criança ecoava em sua cabeça, conversando com Michael internamente, duelando, provocando-o.

Michael. Michael. Não sabe que quem faz tais coisas não pode participar no reino de Deus? Não se deixe enganar; ninguém que viva na imoralidade sexual, que pratique a idolatria ou o adultério ou a homossexualidade terá parte no seu reino; nem tão pouco os espoliadores, os avarentos, os bêbedos, os caluniadores, os violentadores... Você sabe disso, não sabe, Michael?  

Era uma passagem de Coríntios (6:9-10), um dos versículos que Michael mais temia. Confessou-se uma vez na igreja por ter passado corretivo líquido em trechos que o negavam como indivíduo, que o condenavam por ser o que era. Ganhou outra bíblia e uma advertência severa de padre Terrence, afinal, “quem é você, menina, para apagar a palavra de Deus? O que está escrito, está escrito, assim como eu nasci homem e você menina, criança...”, ele disse.

- Minha mãe, senhor?

Ia falar que nunca teve mãe, que nunca teve pai e que nunca os conheceu. Mas era mentira, e mentir era um grande pecado, mas um pecado ainda maior era negar sua mãe e seu pai.  Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá. (Êxodo 20:12)

- ... Não, não era.

Você nos levará ao inferno, Michael. O reino de Deus estará fechado para nós, você sabe disso. Você nos transforma em uma aberração.

Sentiu um aperto no peito, um nó na garganta e um frio na barriga que parecia que nunca iria embora. Levantou-se do divã um pouco tonto. O mundo rodopiava e as vozes do doutor e de Marrie se confundiam entre as percepções de sons externos e internos. Não conseguia pensar, não conseguia se concentrar, não conseguia respirar.

Vá embora, Marrie. Vá embora, vá embora.

Lembrou-se de um de seus versículos favoritos:

Davi ficou profundamente angustiado, pois os homens falavam em apedrejá-lo; todos estavam amargurados por causa de seus filhos e de suas filhas. Davi, porém, fortaleceu-se no Senhor, o seu Deus...” (Samuel, 30:6). Essa era chave. Não tinha como confiar no doutor, não tinha como confiar em Marrie e também não tinha como confiar em padre Wallace, afinal, talvez tenha sido ele quem tenha marcado essa terapia, essa reabilitação, essa distorção. Não poderiam apagá-lo.

Caminhou até a porta e voltou-se ao doutor:

- Me desculpe, mas acho que ocorreu algum engano. Diga ao padre Wallace que eu agradeço por toda a hospitalidade, mas diga que não há cura nas obras de Deus.

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