I V I C A
Certa vez, há muito tempo atrás - quando ainda respirava -, Ivica estava a “brincar” com algumas amiguinhas ao visitar uma tia em Ijevsk. A beleza do quintal por onde corriam e o lindo pôr-do-sol daquela tarde de outono não conseguiam sobrepujar a força inspiradora da Longue Vue, onde a vampira se encontra agora. Nem o jardim suspenso ou as colunas brancas da varanda da casa de sua tia, tampouco a brisa gelada que corria entre árvores ou até mesmo o sol que esquentava a pele alva da pequena Ivy criança eram páreos para a aura quase mística que rodeia cada pedacinho da imponente mansão. E mesmo rodeados de uma beleza superior, os presentes faziam-se tão arrogantes e mimados quanto as amiguinhas da pequena em sua época de criança, que zombavam e lhe alvejavam pedras para afastá-la, incomodadas pelo simples fato de que a beleza de Romanova lhes feria o ego. O orgulho ferido aqui na Longue Vue não passa muito longe daquilo; incomodava aos Anciões o fato da Malkaviana governá-los, logo eles, tão respeitosos Membros de suas casas. Para Ivica, Gregor e Sforza eram como aquelas crianças de sua infância: seres mimados e com o ego ferido após encontrarem alguém "superior", fazendo de tudo para tentar impor sua presença.
As trocas de olhares e até de pensamentos rodeavam as pausas de cada discurso - isso quando não intercalavam-se com as próprias palavras. A única postura firme, além da posição mimada da dupla de Anciões, foi a de Helena, que mudou completamente de sua aparência frouxa para algo mais perto do que Ivica acha que ela realmente é. Junto com a troca de postura da Senescal veio a ordem que todos juravam que jamais seria proferida pela Malkaviana: o Príncipe receberia visita! A toreadora diminuta manteve a impassividade em suas feições durante todo o festival de calúnias disparadas, mas nem mesmo ela e toda sua frieza conseguiram se sobrepor à força do espanto que a ordem de Helena lhe causou. Abriu a boca, de leve. Os olhos se arregalaram um pouco – mas só um pouco mesmo. Tentou vislumbrar na expressão de cada um dos presentes se também sentiram-se surpresos, e nesse momento foi quando notou Franz deixar a sala após um aceno discreto de cabeça. As peças moviam-se no tabuleiro.
Isabela Sforza olhou Ivica uma ou duas vezes. Ela não havia esquecido da presença da Toreadora e talvez estivesse a vigiá-la - ou ainda tivesse ordenado a um de seus espíritos que o fizesse. Se fosse agir, Ivy teria que ser rápida e discreta. Sabe-se lá o que Helena estaria planejando, afinal.
Quedou-se inerte quando na verdade deveria iniciar uma série de protocolos verbais pré-visita ao Príncipe; Helena a havia interrompido com um leve afago em seus cabelos e uma voz bem diferente daquela com que iniciou a reunião. Muitas coisas haviam mudado desde o início da noite.
Ivica ergue o queixo para cima a fim de olhar diretamente a Senescal, o que faz com que acabasse tirando aquela mão de sua cabeça. Seus doces olhos cor de gelo pareciam sorrir quando ela começou a falar.
-- Minha senhora... , chamando a atenção de Helena , -- Eu devo cuidar de nossos convidados então, não?
Pergunta retórica. Da Malkaviana, passa a olhar o Brujah falastrão.
-- Por favor, senhor Gregor, queira me acompanhar , sutilmente estica um dos braços em direção à porta de saída da biblioteca , -- Seria melhor aguardarmos pela senhora De Vries, Sforza e pelos outros em cômodo próximo à entrada da Longue Vue. Seus dotes “exclusivos” – faz soar ‘exclusivos’ como ‘únicos’ – serão bastante úteis se recebermos o Xerife e aquele Ventrue ainda esta noite.
Tão logo faz o convite a Royce, Ivica sai da sala para abrir caminho para Helena e Isabela fazerem o mesmo. Fica a esperar pelo Ancião Brujah do lado de fora da biblioteca. Assim que o teimoso resolvesse se mexer, ela o levaria até um dos cômodos próximos à entrada da Longue Vue, bem como prometido. Por enquanto, o privilégio de ter com o Príncipe havia se estendido somente a Giovanni, e até que Helena dissesse o contrário Ivica não agiria de outra forma.